Em meio à crescente proliferação de doutrinas exóticas no seio mesmo do nosso movimento, sobremodo nos preocupam aquelas cujo resultado é a deturpação da legitima visão espírita de Jesus de Nazaré.
Ao contrário do que a negligência de muitos confrades pode supor, Allan Kardec deixou-nos bem definida a concepção espírita sobre a natureza do Cristo, quer física, quer, sobretudo, espiritualmente.
No comentário ao nº 226 de O Livro dos Espíritos, o codificador estabelece que, quanto ao estado no qual se encontram, os espíritos podem ser encarnados, errantes ou puros.
Acerca dos puros, dizem os espíritos superiores: "Não são errantes... Esses se encontram no seu estado definitivo."
Tal é a condição espiritual de Jesus: a dos espíritos puros, ou seja, a dos espíritos que "percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria" (Ob.cit.,nº 113).
Apesar de integrar o número dos que "não estão mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis", dos que "realizam a vida eterna no seio de Deus" (id. Ibid.), entre nós, por missão, o mestre encarnou-se.
Conforme o nº 233 de O livro dos espíritos esclarece, "os espíritos já purificados descem aos mundos inferiores", a fim de que não estejam tais mundos "entregues a si mesmos, sem guias para dirigi-los".
É bem verdade que no comentário ao nº 625 da mencionada obra, Allan Kardec apresenta Jesus como "o tipo da perfeição moral a que a humanidade pode aspirar na Terra", em quase exata conformidade com o que diz sobre os espíritos superiores, os quais, segundo ele: "Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e então nos oferecem o tipo da perfeição a que a humanidade pode aspirar neste mundo" (nº 111).
Cumpre-nos salientar que na doutrina espírita o rigor do conceito de pureza se concentra na expressão "puro espírito", que Kardec explicou ser o estado dos seres que tradicionalmente são chamados "anjos, arcanjos ou serafins"; entretanto, com isso, não quis o codificador estabelecer a existência de gradações no estado de pureza espiritual; basta confrontarmos o item 111 com o item 226 de O livro dos espíritos.
Contudo, o sacrifício tipicamente missionário de um retorno à Terra, mesmo quando já não há necessidade desse tipo de experiência para evoluírem, é meritório aos espíritos superiores, do ponto de vista de sua progressão, pois não integram ainda a classe dos puros espíritos, não se encontram ainda no seu "estado definitivo".
Alguns entendem que este seria o caso de Jesus de Nazaré. Ele teria atingido a perfeição, ou, quiçá, um grau evolutivo mais alto entre os filhos do homem somente após o cumprimento de sua missão, o que, alias, é sugerido pelo autor da Epístola aos hebreus, o qual entende que Jesus, por seus sacrifícios, teria passado, de `sacerdote', à condição de `sumo sacerdote' da ordem de Melquisedeque.
Não desposamos essa ideia, embora admitamos que não confronta com o ensino de O livro dos espíritos, no qual, de fato, Jesus figura ainda como espírito superior; passível seria ele, portanto, de aperfeiçoamento.
A codificação espírita, todavia, não termina em O livro dos espíritos, começa nele. Allan Kardec desenvolveu e aprimorou o conceito espírita sobre a condição espiritual de Jesus como fez com relação a outros temas. Se não, vejamos.
Já mesmo em O livro dos médiuns, obra que constitui, segundo o próprio codificador, a sequência de O livro dos espíritos, Allan Kardec passou a classificar Jesus como espírito puro.
Na nota que escreve à dissertação IX do cap. XXXI, distingue, com absoluta clareza "os espíritos verdadeiramente superiores" daquele que representa "o espírito puro por excelência", por desvelada menção a Jesus Cristo.
Ora, Allan Kardec diz que tais espíritos, mesmo superiores, não têm as qualidades do Cristo; de novo estabelece, portanto, diferença entre Jesus e os espíritos superiores, como fez em O livro dos médiuns, na aludida nota à dissertação IX do cap. XXXI. Isso tão- só porque os espíritos superiores ainda não são puros.
Do livro: "Reencarnação – Lei da Bíblia, Lei do Evangelho, Lei de Deus." - Sergio Fernandes Aleixo, ed. Lachâtre
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